Um bom líder não faz nada, mas não deixa nada sem ser feito
A atuação do Delegado de Polícia nas Polícias Civis como líder da equipe investigativa transcende a ocupação de uma posição hierárquica. Exige-se combinação de habilidades estratégicas, conhecimento, empatia e experiência. “Um bom líder não faz nada, mas não deixa nada sem ser feito” resume Claudiney Fullmann1. A liderança policial é uma arte. A arte de articular equipes heterogêneas, formada por indivíduos com personalidade única, em busca de objetivos comuns. Do Delegado de Polícia espera-se atuar como um experimentado general em combate, integrando diferentes competências e habilidades, liderando suas tropas com precisão, com conhecimento do território e visão estratégica.
Numa campanha militar, onde cada unidade especializada — infantaria, artilharia, blindados, comunicações, logística — desempenha papéis específicos na obtenção da vitória; a Polícia Civil depende da sinergia entre seus integrantes que compõem carreira distintas com papéis específicos. Delegados, investigadores, escrivães, peritos, legistas, administrativos, operacionais e burocráticos desempenham funções bem determinadas que se complementam crucialmente. Cabe, então, ao Delegado, como líder, orquestrar essas habilidades, garantindo que o conjunto funcione de forma harmônica e eficiente, respeitando a complexidade e importância de cada função.
O exercício de uma liderança eficazmente, exige do Delegado profundo conhecimento das diversas realidades do território geográfico, político, social, econômico, histórico, cultural em que atua. Isso envolve compreender as particularidades dos quadros policiais e da população, além das dinâmicas criminais específicas. Decisões eficazes e estratégias bem-sucedidas surgem quando o líder entende o cenário em que sua equipe está inserida, ajustando suas ações às demandas locais e expectativas da comunidade servida. O Delegado que não age para combater a criminalidade que apavora a localidade – a exemplo, quando decide atender ocorrências por ordem de chegada e não estabelece a meta de investigações dirigida à redução da criminalidade que impacta a sensação de (in)segura local – estará liderando sem estratégia e desconhecimento, desperdiçando recursos valiosos.
Para Investigações exitosas, o Delegado líder deve dominar ferramentas disponíveis para seu trabalho, desde tecnologia de ponta às metodologias tradicionais, reconhecendo quais liderados estão habilitados e interessados em utilizá-las. Esta compreensão permite formar uma equipe eficiente, engajada e inovadora, assegurando que cada recurso seja utilizado ao máximo de sua potencialidade.
Assumir responsabilidade. Um dos aspectos fundamentais da liderança eficaz é a assunção de responsabilidade. O verdadeiro líder entende ser o principal responsável pelos resultados da equipe, tanto nos sucessos quanto nos fracassos. Atribuir erros aos liderados e reservar para si as glórias é a marca de um chefe inepto, covarde, vaidoso e arrogante. Um líder competente deve estar disposto à exposição aos riscos em primeiro, enfrentando todos os desgastes decorrentes de suas decisões e gestões. Ao mesmo tempo, deve o Delegado de Polícia compartilhar as conquistas com toda a equipe, reconhecendo o valor e a contribuição de cada membro.
Em tempos de pirotecnia em redes sociais e de TV, o Delegado precisa lembrar aos seus liderados que a natureza sigilosa das investigações criminais e por conseguinte a sua não divulgação ao público em geral, não diminui em nada o valor do trabalho do policial civil, do investigador público. A ausência de reconhecimento público imediato pelos êxitos do trabalho reflete a seriedade e discrição necessárias à função policial civil. O policial investigativo é um anônimo por natureza. Entretanto, o líder justo é aquele que, mesmo sem visibilidade e reconhecimento público do sucesso obtido pelo trabalho da equipe, valoriza internamente o esforço e a competência de sua equipe, devendo buscar ferramentas de gestão para reforçar a importância do reconhecimento intra muros deste capital humano.
Conhecer o passado da instituição – erros e acertos – é indispensável. O líder não deve simplesmente “drenar os pântanos”; não deve deixar de enfrentar erros passados, problemas herdados ou desacreditar modelos que vieram antes, mas sim reconhecer e aprender com a história institucional. É crucial conhecer e reconhecer o que os líderes anteriores fizeram — e mesmo o que deixaram de fazer — para corrigir erros e promover melhorias. Em vez de apagar o passado 2, o Delegado de Polícia deve utilizá-lo como um trampolim para o aperfeiçoamento contínuo. Isso demonstra maturidade e responsabilidade, permitindo que a instituição não só evite incorrer nas falhas passadas, mas também aproveite as lições aprendidas para construir um futuro mais seguro e eficiente.
Um chefe fraco e inseguro tende a tripudiar, expor, alardear fatos que, em sua visão, são erros de seus antecessores. Pelos liderados e pelo público, será visto como forma de autoafirmação do novo chefe, deformando a imagem institucional, enfraquecendo o engajamento e a disciplina dos policiais. Ao invés de adotar essa postura, o verdadeiro líder deve aceitar que criticar indiscriminadamente os erros passados é
prejudicial. Necessário compreender que a evolução institucional é um processo de crescimento gradual. Ao verdadeiro líder, cabe valorizar as decisões tomadas por seus antecessores, e aceitar que foram elas embasadas nos elementos, informações, recursos e circunstâncias disponibilizados à época. Ao fazer isso, o líder demonstra sabedoria e promove um ambiente de respeito e continuidade, onde cada contribuição histórica é vista como parte de uma trajetória coletiva em direção ao desenvolvimento e à excelência. O líder maduro valoriza as bases construídas por seus antecessores e as utiliza para inspirar confiança e inovação dentro da equipe.
A experiência, a vivência “no chão da fábrica3 e o respeito são elementos centrais para a construção de uma liderança sólida. Não basta formação acadêmica; o líder precisa ter vivenciado os desafios do cotidiano policial, demonstrando coragem, competência e justiça. Confiar a chefia a alguém sem essa vivência é ignorar o valor dos “soldados do front”, os profissionais que enfrentam os desafios mais árduos da instituição. Assim como um teórico de guerra não pode comandar tropas no campo de batalha, um líder policial precisa ser experimentado e respeitado por sua trajetória. Diferentemente de um chefe autoritário, que exige obediência pela força ou pela promessa de recompensas, o verdadeiro líder é respeitado pelo seu passado e conquista sua equipe pela confiança e pela justiça. Ele corrige, orienta, treina, regula e valoriza, sem se esconder atrás de uma postura fascista ou arbitrária. O líder justo compreende que a lealdade verdadeira não é comprada ou imposta, mas nasce do respeito mútuo e da certeza de que ele está comprometido com o bem-estar de sua equipe e com os objetivos institucionais.
O líder nasce na Academia de Polícia. Nela os futuros dirigentes da Polícia Civil são moldados. Para tanto, os instrutores da academia devem ser altamente capacitados e, sobretudo, experimentados na realidade investigativa. Devem inspirar. Apenas aqueles que conhecem profundamente a prática policial e seus desafios são capazes de formar novos profissionais à altura das exigências da sociedade atual. Os instrutores, além de transmitir conhecimento técnico, servirão de referência, demonstrando na prática os valores que sustentam a liderança policial: justiça, ética, coragem e respeito.
Crucial é a seleção da equipe. O líder deve basear-se nas competências individuais dos integrantes, não em laços de amizade, pois isso demonstra insegurança e fraqueza. Será externamente visto como ausência de profissionalismo institucional e desrespeito à meritocracia. As escolhas devem refletir o reconhecimento institucional das habilidades e do potencial de cada membro, assegurando que as funções sejam atribuídas com base no mérito e na adequação às necessidades do trabalho.
A liderança do Delegado na Polícia Civil é a arte de equilibrar estratégia e ação, conhecimento e experiência, justiça e autoridade, história e inovação. O líder que conhece o território em que está, valoriza sua equipe, honra a história institucional e inspira pelo exemplo profissional é aquele capaz de transformar desafios em conquistas. Um Delegado líder não apenas conduz sua equipe ao sucesso, mas também deixa um legado de compromisso e excelência para as gerações futuras.
Carlos Roberto Sousa da Silva Bastos – Delegado-Geral. Diretor de patrimônio da ADEPOL-MG. Pós-graduado em Penal e Processo Penal. MBA em Gestão de Pessoas e Projetos.
1 A frase do professor, palestrante e consultor Claudiney Fullmann este em seu artigo disponível em https://fullmann.com.br/um-bom lider-nao-faz-nada-mas-nao-deixa-nada-sem-ser-feito/
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